Decreto-Lei n.º 58/2016
de 29 de agosto
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas,
em Nova Iorque, no dia 30 de março de 2007, aprovada
pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009,
de 30 de julho, e ratificada pelo Decreto do Presidente da
República n.º 71/2009, de 30 de julho, vem reiterar o dever
da sociedade em assegurar que as pessoas com deficiência
ou incapacidade possam usufruir de todos os direitos humanos
e liberdades fundamentais na mesma medida que
qualquer outra cidadã ou cidadão.
A igualdade de oportunidades, definida pela ONU como
«o processo pelo qual os diversos sistemas da sociedade e
do meio envolvente, tais como serviços, atividades, informação
e documentação, se tornam acessíveis a todos e em
especial, às pessoas com deficiência», implica por parte
dos Estados um compromisso com medidas de política
que garantam a efetividade desse princípio.
A generalidade dos estudos nacionais e internacionais
têm comprovado uma acentuada discriminação do acesso
das pessoas com deficiência ou incapacidade aos mais
variados contextos da sociedade. Da mesma forma, outros
públicos em situação de vulnerabilidade, nomeadamente
em razão de uma condição de idade avançada, gravidez
ou quando acompanhados por crianças de colo, também
devem merecer uma especial atenção neste domínio.
Deste modo, a promoção de uma sociedade inclusiva
e da qualidade de vida, bem como da igualdade de condição
e de oportunidades de todas as cidadãs e cidadãos
reflete as escolhas políticas que caracterizam a matriz do
XXI Governo Constitucional.
Atualmente, a obrigatoriedade do atendimento prioritário
das pessoas idosas, doentes, grávidas, pessoas
com deficiência ou quando acompanhadas de crianças
de colo e a outros casos específicos com necessidades
de atendimento prioritário encontra -se prevista no n.º 1
do artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 135/99, de 22 de abril,
alterado e republicado pelo Decreto -Lei n.º 73/2014, de
13 de maio.
Contudo, a referida obrigatoriedade verifica -se apenas
para os serviços da administração central, regional e local
e institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados
do Estado ou de fundos públicos, excluindo
outras formas de atuação do Estado na satisfação de
necessidades coletivas, entre as quais o setor público
empresarial e as parcerias público -privadas, bem como
o setor privado.
Não obstante o caráter imperativo da obrigatoriedade
do atendimento e a natureza dos interesses tutelados, estabelecida
no referido decreto -lei, a norma legal encontra -se
destituída de qualquer quadro sancionatório em caso de
incumprimento.
Pese embora as medidas de boas práticas adotadas
por diversos prestadores de serviços e fornecedores de
bens do setor privado, o facto de a obrigatoriedade do
atendimento prioritário ser circunscrita ao setor público
administrativo determina, na maioria das vezes, atuações
arbitrárias traduzindo uma completa desproteção das
cidadãs e dos cidadãos com necessidades de atendimento
prioritário.
É neste contexto que surge a necessidade de instituir
a obrigatoriedade do atendimento prioritário das pessoas
com deficiência ou incapacidade, pessoas idosas, grávidas,
ou pessoas acompanhadas de crianças de colo, em todos
os setores da sociedade.
Assim, o presente decreto -lei visa assegurar a obrigatoriedade
de prestar atendimento prioritário às pessoas com
deficiência ou incapacidade, pessoas idosas, grávidas, ou
pessoas acompanhadas de crianças de colo, para todas as
entidades públicas e privadas que prestem atendimento
presencial ao público e estabelece um quadro contraordenacional
em caso de incumprimento.
O presente decreto -lei procede ainda à revogação do
n.º 1 do artigo 9.º do Decreto -Lei n.º 135/99, de 22 de
abril, alterado e republicado pelo Decreto -Lei n.º 73/2014,
de 13 de maio.
Foram ouvidos, a título obrigatório, os órgãos de governo
próprio das Regiões Autónomas e a Associação
Nacional de Municípios Portugueses.
Foi ouvida, a título facultativo, a Ordem dos Advogados.
Foi promovida a audição ao Conselho Nacional do
Consumo.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição,
o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto -lei institui a obrigatoriedade de
prestar atendimento prioritário às pessoas com deficiência
ou incapacidade, pessoas idosas, grávidas e pessoas
acompanhadas de crianças de colo, para todas as entidades
públicas e privadas que prestem atendimento presencial
ao público.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1 — O disposto no presente decreto -lei aplica -se a todas
as pessoas, públicas e privadas, singulares e coletivas que
prestem atendimento presencial ao público.
2 — Excluem -se do âmbito de aplicação do presente
decreto -lei:
a) As entidades prestadoras de cuidados de saúde
quando, atendendo à natureza dos serviços prestados designadamente,
por estar em causa o direito à proteção da
saúde e do acesso à prestação de cuidados de saúde, a
ordem do atendimento deva ser fixada em função da avaliação
clínica a realizar, impondo -se a obediência a critérios
distintos dos previstos no presente decreto -lei;
b) As conservatórias ou outras entidades de registo,
quando a alteração da ordem de atendimento coloque em
causa a atribuição de um direito subjetivo ou posição de
vantagem decorrente da prioridade do registo.
3 — O disposto no presente decreto -lei não se aplica às
situações de atendimento presencial ao público realizado
através de serviços de marcação prévia.
Artigo 3.º
Dever de prestar atendimento prioritário
1 — Todas as pessoas, públicas e privadas, singulares e
coletivas, no âmbito do atendimento presencial ao público,
devem atender com prioridade sobre as demais pessoas:
a) Pessoas com deficiência ou incapacidade;
b) Pessoas idosas;
c) Grávidas; e
d) Pessoas acompanhadas de crianças de colo.
2 — Para os efeitos estabelecidos no presente decreto-
-lei, entende -se por:
a) «Pessoa com deficiência ou incapacidade», aquela
que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida,
de funções ou de estruturas do corpo, incluindo
as funções psicológicas, apresente dificuldades específicas
suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe
limitar ou dificultar a atividade e a participação em condi-
ções de igualdade com as demais pessoas e que possua um
grau de incapacidade igual ou superior a 60 % reconhecido
em Atestado Multiúsos;
b) «Pessoa idosa», a que tenha idade igual ou superior
a 65 anos e apresente evidente alteração ou limitação das
funções físicas ou mentais;
c) «Pessoa acompanhada de criança de colo», aquela que
se faça acompanhar de criança até aos dois anos de idade.
3 — A pessoa a quem for recusado atendimento prioritário,
em violação do disposto nos números anteriores,
pode requerer a presença de autoridade policial a fim de
remover essa recusa e para que essa autoridade tome nota
da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para
receber a queixa nos termos do artigo 6.º
Artigo 4.º
Prevalência
Em caso de conflito de direitos de atendimento preferencial
ou prioritário, o atendimento faz -se por ordem de chegada de cada titular do direito de atendimento preferencial
ou prioritário.
Artigo 5.º
Direito de queixa
Qualquer pessoa a quem for recusado atendimento prioritário
em violação do disposto no presente decreto -lei pode
apresentar queixa junto das entidades competentes.
Artigo 6.º
Apresentação de queixas
1 — A queixa a que se refere o artigo anterior pode ser
apresentada junto:
a) Do Instituto Nacional para a Reabilitação, I. P.
(INR, I. P.);
b) Da inspeção -geral, entidade reguladora, ou outra
entidade a cujas competências inspetivas ou sancionatórias
se encontre sujeita a entidade que praticou a infração.
2 — Quando a queixa for apresentada perante uma entidade
que não tenha competência para a instrução do procedimento
de contraordenação, a entidade que a rececionou
remete oficiosamente a queixa à entidade competente
para a instrução, disso dando conhecimento à queixosa
ou queixoso.
Artigo 7.º
Instrução e decisão
A instrução dos procedimentos de contraordenação por
violação do estabelecido no presente decreto -lei, bem como
a aplicação das coimas, compete à inspeção -geral, entidade
reguladora, ou outra entidade a cujas competências inspetivas
ou sancionatórias se encontre sujeita a entidade que
praticou a infração.
Artigo 8.º
Contraordenações
1 — A entidade que não prestar atendimento prioritário,
encontrando -se a isso obrigada de acordo com o disposto
no artigo 3.º incorre na prática de uma contraordenação.
2 — A contraordenação prevista no número anterior é
punível com coima de € 50 a € 500 ou de € 100 a € 1000,
consoante a entidade infratora seja pessoa singular ou
coletiva.
Artigo 9.º
Produto das coimas
O produto das coimas aplicadas reverte:
a) Em 60 % para o Estado;
b) Em 30 % para a entidade administrativa que instrui o
processo contraordenacional e aplica a respetiva coima;
c) Em 10 % para o INR, I. P.
Artigo 10.º
Regiões Autónomas
1 — As Regiões Autónomas exercem as competências
previstas no presente decreto -lei através dos organismos
definidos pelos órgãos de governo próprios.
2 — O produto das coimas aplicadas nas Regiões Autónomas
constitui receita própria destas.
Artigo 11.º
Direito subsidiário
Às contraordenações previstas no presente decreto -lei
é subsidiariamente aplicável o regime jurídico do ilícito
de mera ordenação social aprovado pelo Decreto -Lei
n.º 433/82, de 27 de outubro, alterado pelos Decretos -Leis
n.os 356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro,
e 323/2001, de 17 de dezembro, e pela Lei n.º 109/2001,
de 24 de dezembro.
Artigo 12.º
Norma revogatória
É revogado o n.º 1 do artigo 9.º do Decreto -Lei
n.º 135/99, de 22 de abril, alterado e republicado pelo
Decreto -Lei n.º 73/2014, de 13 de maio.
Artigo 13.º
Entrada em vigor
O presente decreto -lei entra em vigor 120 dias após a
data da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 28 de
julho de 2016. — Augusto Ernesto Santos Silva — Fernando
António Portela Rocha de Andrade — José António
Fonseca Vieira da Silva — Manuel de Herédia Caldeira
Cabral.
Promulgado em 9 de Agosto de 2016.
Publique -se.
O Presidente da República, MARCELO REBELO DE SOUSA.
Referendado em 11 de Agosto de 2016.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.