sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

São os empréstimos que criam depósitos e não o contrário (Banco de Inglaterra)

Tenha ou não formação em economia esta discussão interessa-lhe. Desafiamo-lo a investir alguns minutos neste artigo e a partilhar connosco eventuais perplexidades.
É do senso comum que um banco capta depósitos, paga um juro para depois emprestar esse dinheiro a um juro superior, por exemplo, a alguém que queira montar ou alargar uma empresa ou mudar de automóvel.
É do conhecimento dos economistas que €100 de depósitos podem gerar várias vezes esse valor em empréstimos, afinal, um empréstimo acaba muitas vezes por levar a que parte do dinheiro emprestado volte a ser depositado, ainda que na conta de outrem, dinheiro esse que pode ser assim multiplicado através de outros empréstimos.
Desta forma, os €100 iniciais de dinheiro – que até podiam ser notas emitidas pelo banco central – acabam por dar origem a muito mais dinheiro em depósitos bancários, inscritos virtualmente em zeros e uns nos computadores das instituições bancárias. 
Aos economistas é também ensinado que os bancos têm de constituir uma reserva fixada pelo regulador correspondente a uma fração dos depósitos e essa reserva não pode ser emprestada, tem de ficar cativa junto do banco central havendo ainda uma porção do dinheiro que tem de estar disponível no banco para servir os pedidos de levantamentos em dinheiro vivo (ou numerário). E sabe-se também que os bancos têm de cumprir com critérios de capital com impacto indireto na sua capacidade de gerar dinheiro por via de empréstimos.
Mas agora algo mudou, ou melhor, a perceção do que se passa, de facto, corre o risco de mudar, depois de o Banco Central da Inglaterra ter reconhecido que esta história está mal contada em vários aspetos no artigo “Money creation in the modern economy” publicado há poucos dias.
O que é significativo no artigo publicado pelo Banco de Inglaterra é que a realidade vai para além desta descrição já de si surpreendente para muitos: afinal, os bancos podem criar dinheiro do ar!
Na realidade, segundo este artigo, a poupança captada  pelo banco não é determinante para condicionar a capacidade que o banco tem para emprestar dinheiro. A relação é aliás, inversa: são os empres´timso que determinam os depósitos.
Os bancos podem criar literalmente moeda do ar com uma simples operação num computador. A única restrição habitual é haver uma proposta de empréstimo que o banco considera que tem pernas para andar, e, claro, que o banco esteja disposto a preferí-la, a por exemplo, deixar ficar o dinheiro parado nos circuitos do computador, o resto é… magia.
Vejamos um exemplo:
Imagine que quer comprar uma casa precisa de pedir dinheiro ao banco. Imagine que o banco aceita emprestar-lhe €100.000.

O que faz o banco, uma vez tomada a decisão? Vai ao seu sistema informático, abre a conta do cliente que quer o crédito e escreve: deves-me €100.000. No momento seguinte o banco credita-lhe a conta com esses €100.000 para poder pagar ao vendedor, criando assim um depósito. O impacto em termos de equilíbrio no balanço do banco destas duas operações é nulo, uma compensa a outra. Ou seja, com estas operações o Banco inventou €100.000 de dívida (a do cliente) e inventou €100.000 de depósitos (o dinheiro colocado na sua conta para este pagar a compra da casa), promovendo também o nascimento de taxas de juro e a obrigação de alguém as pagar. E pronto, temos mais 100.000 unidades monetárias na economia sem que o Banco Central tenha feito absolutamente nada. Onde é que foram precisos os depósitos de muitas vidas para que o banco tivesse dinheiro para emprestar?
Agora imagine que o vendedor da casa tinha conta nesse mesmo banco. Quando recebe o dinheiro que estava na conta do comprador e o deposita na sua conta o que acontece do ponto de vista do banco? Nada de especial. Tem o comprador que lhe deve €100.000 e tem o vendedor do qual tem €100.000 à guarda. Tudo perfeito. O dinheiro nasceu e já está a circular, sendo que, naturalmente, há juros envolvidos, com vantagem na margem para sustentar a atividade do banco. De resto, nada do que existia antes da decisão de crédito foi determinante e nada do que se passou será determinante para a tomada de decisão sobre o próximo pedido de crédito que recebeu. Ou quase…
Então e se o vendedor depositar o dinheiro noutro banco ou simplesmente guardar o dinheiro debaixo do colchão? Nesse caso, quando, no final do dia, o banco fizer as contas a todos os depósitos que recebeu e todos os depósitos que “perdeu” para outro bancos ou para o colchão, analisa se tem ou não falta de dinheiro para equilibrar as suas contas. Se tiver, nesse caso e só no montante em falta, terá de pedir dinheiro emprestado, como o fez o comprador da casa. Neste caso, o mais provável é pedir dinheiro emprestado a outros bancos, por exemplo, ao banco que recebeu o depósito do vendedor da casa, caso este tenha decidido depositar lá o seu dinheiro.
E se nenhum outro banco lhe emprestar dinheiro, por opção (por exemplo, por não confiar no banco que pede o empréstimo)?
Nesse caso, a vida do banqueiro complica-se mas apenas quanto baste, é que há um banco que tem sempre dinheiro e está disposto a emprestá-lo a troco de um juro: o banco central cuja garantia de última instância se suporta na delegação de poder do Estado vulgo contribuintes. O sistema nunca fica desequilibrado e, como se vê, o banco central terá, através da taxa de juro que cobra, uma palavra a dizer na facilidade com que se cria dinheiro, mas como se vê também, esse poder é aquilo que poderíamos chamar de segunda ordem, pouco relevante se a banca comercial cumprir com o seu papel no mercado interbancário, ou seja, se emprestarem dinheiro uns aos outros de forma consistente.
A vida de banqueiro, nesta perspetiva é fácil. Tem o poder de decidir quanta moeda cria e quando a cria e quanta destrói (limitando o crédito) e quando a destrói. Em condições normais, o Banco Central tem muito pouco poder para condicionar estas decisões e menos ainda para determinar a quem os bancos emprestam dinheiro. Hoje, por exemplo, o Banco Central Europeu (BCE) queixa-se de os bancos receberem o dinheiro barato que o BCE lhes empresta mas pouco o aplicarem na economia real, a financiar novos empreendimentos, preferindo, ou ficar “sentado em cima do dinheiro” ou emprestá-lo a muito curto prazo, ou mesmo usá-lo para comprar ações próprias (até ao montante legal) contribuindo assim para valorizar as ações em bolsa e indiretamente passar parte do capital para os seus acionistas. O artigo do Banco de Inglaterra também aborda algumas destas questões desmitificando algumas certezas presentes em alguns manuais de economia e deixando, no final, a perceção de que o efeito, por exemplo, do Quantitative Easing (QE) estar longe de ser garantido ou de ser direto. Discutem-se assim alguns dos instrumentos de política monetária que se reconhecem como ao dispor dos bancos centrais (como o referido QE ou mesmo a gestão do Core Tier 1).
Sem dúvida que este reconhecimento institucional desta forma de encarar os fundamentos da atividade bancária por parte de um dos principais bancos centrais do mundo, dará fôlego a novas formas de compreender a economia e contribuirá para alterar a tomada de decisão de política económica em diversas áreas que têm muito a ver com a vida do cidadão comum.

Fonte: 
http://economiafinancas.com/

Sem comentários:

Enviar um comentário