quinta-feira, 28 de maio de 2015

O mundo conturbado da energia

No meu mail recebo periodicamente informação variada de um grupo a que pertenço com muito gosto chamado JORNALINHO. 
E foi neste âmbito que me chegou esta informação que acho deliciosa. Comigo passou-se algo idêntico, mas não tive tanta paciência. 
Devem ler com atenção e ver como andam os Direitos dos Consumidores Portugueses.
_________________________________________________________________________________
A saga de um consumidor no admirável mundo novo da energia liberalizada
É um entre seis milhões de clientes. A sua história envolve mudança de
fornecedor sem autorização, informação errada sobre contratos e recusa
da tarifa social. O que correu mal e as justificações.

Jornalinho: 27 Maio 2015
Por Ana Suspiro

A história chegou por um leitor que, quando foram noticiadas as
investigações do regulador da energia às práticas das empresas
comerciais, quis contar a suas experiências atribuladas no mercado
liberalizado de energia.

É um caso exemplar do muito que pode correr mal no novo mercado da
electricidade e gás natural, mas pode também servir de alerta. A
transição da tarifa regulada para o mercado liberalizado está a ser
feita por seis milhões de consumidores de energia em Portugal. Mais de
metade já saiu da tarifa, mas ainda faltam mais de dois milhões darem
o salto. O prazo terminava no final deste ano, mas o governo esticou
este período por mais dois anos até 2017. Mas quem ficar na tarifa
sujeita-se a uma revisão trimestral dos preços que podem subir.

O caso é também revelador das dificuldades em obter a tarifa social,
que protege os consumidores mais vulneráveis. Ainda esta
segunda-feira, o ministro da Energia, Jorge Moreira da Silva,
reconheceu que o número de beneficiários ainda está muito longe da
meta do governo.

Contactámos as eléctricas em causa e a ERSE (Entidade Reguladora dos
Serviços Energéticos) e confrontámo-las com o caso concreto,
identificando o cliente, para permitir um esclarecimento mais completo
e personalizado das situações, algumas aparentemente irregulares,
reportadas. Publicamos aqui o testemunho na primeira pessoa com as
respostas das entidades visadas. Tudo começa numa mudança da EDP para
a Galp.

O ataque da Galp

No meu caso concreto, fui seduzido em dezembro de 2013 por um
folheto-campanha da Galp-On na loja do Cidadão de Odivelas que
concedia um desconto simpático e que tinha a particularidade de
informar que "agora também estava disponível para os clientes de
tarifa bi-horária". À data era cliente da EDP Comercial e titular de
um contrato de tarifa bi-horária.

Aderi de imediato à campanha, mas não trazia comigo nenhuma fatura,
necessária para identificar o local de fornecimento. Para espanto meu,
disseram-me que não havia problema, que podia ligar para a EDP de
imediato que eles me indicavam todos os dados necessários para fazer o
contrato. Utilizei o telefone da loja da Galp-On sem ter necessidade
de marcar o número... Hoje não o faria com toda a certeza, depois de
tudo o que me aconteceu nos meses seguintes e em função do que sei e
vou lendo.

Fiz então o contrato na hora, já com todos os dados solicitados na
posse da Galp. Frisei que era um cliente de tarifa bi-horária há
muitos anos e que pretendia manter esse tarifário. Responderam-me que
não havia problema e que esta campanha destinava-se precisamente a
esses casos.

Passados alguns dias, em casa, abri a pasta "bonita" que me entregaram
e consultei o contrato. Verifico então que o contrato que me
entregaram estava em nome de outra pessoa que não sei quem é. Pedi à
companhia para me enviar uma segunda via. Prometeram mas nunca recebi
nada. Não voltei à loja para pedir esclarecimentos.

Comecei então a receber as primeiras faturas com valores mais elevados
em relação ao que habitualmente pagava. Pensei que tinham que ver com
o aumento do preço da energia e com mais algum consumo que vinha
fazendo (essencialmente de madrugada).

A contra-ofensiva da EDP Comercial

No verão recebi uma chamada da EDP perguntando se queria aderir a uma
nova campanha. Perguntei em que condições e indiquei que estava
insatisfeito com o preço que pagava. Pediram-me então para olhar para
uma fatura detalhada na linha "x" e verificar o valor do kWh (kilowatt
hora) em hora de vazio (de noite) e em ponta de consumo. Disseram-me
que eu estava a pagar uma tarifa plana. Percebi então que tinha sido
enganado, que já não tinha tarifário bi-horário e que estava no
mercado livre.

Apresentei uma reclamação à Galp por telefone. Contei toda a história
desde o início. Pedi o nome da funcionária que me atendeu - o que se
recusaram a fazer. Garantiram-me que tinham enviado segunda via do
contrato que talvez se tivesse extraviado. Não me deram resposta
positiva à minha reclamação.

As explicações dadas pela Galp

A informação que temos é a de que o Sr X terá pedido inicialmente a
tarifa simples. Poderá ter ocorrido algum erro de comunicação ou de
inserção dos dados no sistema, mas é esse o registo que existe em
sistema.

O cliente já tem tarifa bi-horária desde janeiro de 2014, mas, por ter
aderido à modalidade Conta Certa, apenas recebe uma fatura por ano.

A Galp Energia está ainda a apurar o motivo do atraso na resposta às
reclamações que, caso se confirmem, serão naturalmente objeto da
compensação prevista nos contratos para estas situações.

E de volta à EDP

Não aderi à nova campanha da EDP, pedi mesmo para não ativarem nada.
Disse-lhes apenas para ligarem dentro de algumas semanas depois de
pedir explicações à Galp.

Entretanto, recebo uma carta da EDP a informar que o meu novo contrato
tinha entrado em vigor no dia "x" sem que eu tivesse aceitado,
concordado ou assinado qualquer contrato. Na dita chamada fizeram-me
um contrato à minha revelia. Voltei a ser cliente da EDP sem querer.
Apenas da eletricidade porque não incluiram o gás. A Galp passou a
enviar-me apenas a conta do gás.

Informei então a EDP do lamentável lapso, abuso de confiança e pedi a
revogação imediata do contrato. Tive que esperar por uma análise e só
três a quatro meses depois é que a EDP devolveu o contrato à Galp e
repôs a situação inicial.

Estive sem operador durante 3 a 4 meses. Sem receber valores para
pagar. Quando veio a primeira conta da Galp tinha quase 200 euros para
pagar. Tive que fazer um acordo para pagar em seis meses, o que me
sobrecarregou mais ainda as contas.

A explicação da EDP Comercial

"A situação relatada foi entretanto corrigida.  A EDP lamenta,
naturalmente, o incidente, explicável por uma eventual falha de
comunicação, e sublinha que se trata de um caso pontual, num universo
de mais de três milhões de clientes e de muitos contactos diários".

O tortuoso acesso à tarifa social

Aproveitei a medida inscrita no Orçamento do Estado para 2015 que
entrou em vigor no dia 1 de janeiro e que prevê por decreto uma
redução substancial na fatura para consumidores que sejam
beneficiários de apoios sociais (inclusive abono de família) ou
estejam em situação económica precária (desempregados, RSI, etc). Uma
das grandes novidades é que essa medida foi estendida a contratos de
potência superior (no meu caso 6,3 kVA).

Nos últimos dias de dezembro de 2014 dirigi-me à loja da Galp para
solicitar pedido. Indicaram-me que não tinham impresso próprio e
inseriram o pedido no sistema.

Em março ainda não havia qualquer resposta ou contacto da Galp.
Contactei telefonicamente a companhia. Disseram-me que eu não tinha
direito a beneficiar dessa medida porque a potência do meu contador
não era abrangida. Rebati. Informei da nova legislação. Alegaram
desconhecimento e pediram então que aguardasse um contacto, que iriam
analisar melhor a questão. Passaram três semanas e nada. Voltei a
ligar e informaram-me que estava em análise.

Há duas (em abril) semanas fui novamente à loja fazer novo pedido.
Continuava a não existir impresso próprio. Desta vez nem sequer me
entregaram qualquer comprovativo de novo pedido.

Na semana passada recebi na minha caixa de correio uma folha a
informar da possibilidade de obter desconto social se cumprisse
determinadas condições. A carta é genérica, não é personalizada. Penso
que foram obrigados a enviar essa missiva. A todos os clientes? Ou
apenas àqueles que estariam nessas condições?

No meu caso, já estava devidamente informado, mesmo antes de entrar em
vigor a extensão aos contratos de potência superior. Fiz o pedido o
mais cedo possível, mas com se viu, não obtive resposta. Continuo a
pagar sem usufruir de qualquer desconto.

A Galp volta a explicar

A empresa confirma que o cliente fez um pedido de tarifa social em
janeiro de 2015 que foi ativado em março de 2015 com efeitos
retroativos à data do pedido. Como não recebe fatura mensal, não se
apercebeu da aplicação da tarifa social, embora dela beneficie. O Sr.
X só vai sentir este efeito na fatura quando receber a fatura anual da
Conta Certa, ou se cancelar esta modalidade de pagamento.

Sobre a tarifa social, existe de facto um impresso próprio que está
normalmente disponível nas lojas. A carta informativa sobre a tarifa
social resulta de uma obrigação regulamentar e aplica-se a todos os
clientes de forma indistinta.

Face a este cenário, a Galp Energia irá solicitar aos seus serviços
que contactem telefonicamente o Sr. X para lhe prestar esclarecimentos
sobre a sua situação.

E o regulador?

Estes dois casos que lhe relatei são reais e aconteceram comigo. Podem
ser comprovados. Ainda não apresentei queixa formal à ERSE porque
considero uma "perda de tempo" pela simples razão de que eles não
analisam a queixa e remetem-na para os serviços de protecção do
consumidor. A própria Autoridade da Concorrência emite o mesmo tipo de
resposta.

O que diz a ERSE

As situações identificadas pelo consumidor são, sucintamente, as seguintes:
*1. A informação pré-contratual não coincide com a informação de
contrato e, em particular, com a que consta da fatura de fornecimento,
após a mudança de comercializador;
*2. A mudança de comercializador pode acontecer sem a expressa
autorização do consumidor;
*3. Aplicação da tarifa social na eletricidade;

Para qualquer uma das situações existem regras aprovadas pela ERSE que
procuram evitar que as situações aconteçam, mas não se pode eliminar a
100% o risco de incumprimentos.


A questão da informação clara na contratação

O Regulamento de Relações Comerciais impõe o dever de informação aos
consumidores sobre as ofertas comerciais e, mais ainda, de clareza na
informação prestada. As condições que estiverem nos contratos são para
serem cumpridas e as condições comunicadas nas ofertas devem ser
repercutidas nos contratos.

Na informação da mudança de comercializador que a ERSE disponibiliza
diretamente e em rede é sublinhada a importância de rever as condições
que estão nos contratos de fornecimento, nomeadamente os preços
aplicados no contrato, como está explicado no site da ERSE (ver
reclamações) no portal do consumidor.

A atuação da ERSE tem sido orientada para a conjugação dos esforços de
educação dos consumidores para os seus direitos e deveres e, sempre
que detetadas situações de incumprimento, para a sua sanção e correção
na perspetiva regulatória. A ERSE adotou uma ficha contratual
padronizada, que abrange as fases pré-contratual e contratual, e que
permite que cada consumidor possa mais facilmente comparar as ofertas
que lhe são apresentadas e verificar a sua aplicação, uma vez
concretizado o contrato.

Por norma, as situações de incumprimento reportadas tem o
enquadramento no quadro sancionatório, o que pode passar, por exemplo
em matérias que são assimiladas a fraude ou práticas comerciais
desleais, à notificação ao Ministério Público e/ou ASAE.

As situações de incumprimento devem ser reportadas à ERSE pelos
consumidores, desde logo porque é um direito que lhes assiste, e
porque são estas situações, devidamente identificadas e documentadas
que dão origem a uma parte substancial da atuação sancionatória.

Não corresponde à verdade que a ERSE não trate as situações de
reclamação que lhe são dirigidas. Estas situações são tratadas em duas
vertentes: São desencadeados os mecanismos de resolução de litígios de
consumo, que passam por informar e, sempre que solicitado, mediar o
conflito; e, na presença de situações de potencial incumprimento das
regras legais e regulamentares, é desencadeado o procedimento de
investigação sancionatória.

Não corresponde à verdade que a ERSE não trate as situações de
reclamação que lhe são dirigidas. Estas situações são tratadas em duas
vertentes: São desencadeados os mecanismos de resolução de litígios de
consumo, que passam por informar e, sempre que solicitado, mediar o
conflito; e na presença de situações de potencial incumprimento das
regras legais e regulamentares, é desencadeado o procedimento de
investigação sancionatória.

Resposta da ERSE sobre a situação concreta colocada por este consumidor

A mudança não autorizada de comercializador

A regulamentação sempre previu a existência de autorizações expressas
dos consumidores para se concretizar a mudança de fornecedor. A regra
foi adotada por aprendizagem com o que de menos bem sucedido se apurou
no processo de liberalização no setor das telecomunicações.

Os consumidores de energia têm o direito de, havendo uma mudança
ilegítima, de requerer aos operadores económicos a sua reversão. A
mudança de comercializador segue regras aprovadas pela ERSE, que
preveem a existência de auditorias sobre a sua aplicação, em
particular também nesta questão em concreto - a existência de
autorização do consumidor para a mudança. A mais recente auditoria
independente, datada de dezembro de 2014, não detetou incumprimento
reiterado deste dever, o que leva a ERSE a concluir que estas
situações ocorrem com carácter muito pontual.

Também nesta situação, os consumidores devem reclamar, junto dos
operadores económicos e, sempre que a situação não for resolvida,
junto da ERSE. A ERSE dispõe de uma unidade especialmente vocacionada
para o efeito - Apoio ao Consumidor de Energia.

O enquadramento dos restantes mecanismos de resolução alternativa de
litígios - em particular, os centros de arbitragem - é efetuada numa
perspetiva colaborativa, de modo a dotar os consumidores de um leque
de possibilidades o mais alargado e o mais efetivo possível. A ERSE
não se pronuncia sobre situações concretas salvo se existir
autorização expressa dos consumidores para que tal aconteça.

A aplicação da tarifa social

A ERSE, na sequência de atuações de monitorização e inspeção a
comercializadores de eletricidade e de gás natural, determinou a
abertura de investigação sancionatória, por não se aplicarem as regras
de procedimentos corretos na concessão da tarifa social. Em dezembro
de 2014 foi publicada uma revisão regulamentar na eletricidade, que
integrava, entre outras matérias, a adequação ao novo regime legal da
tarifa social (datado de novembro de 2014).

Este é um terceiro exemplo de como as reclamações dirigidas à ERSE,
por muito reduzidas que sejam em número, sempre que evidenciem
situações de potencial incumprimento originam atuações no quadro
regulatório e sancionatório.

O sucesso do processo de liberalização dos mercados de energia depende
também da existência de consumidores mais participativos e
intervenientes, desde logo na salvaguarda dos seus interesses. O
continuado esforço da ERSE na divulgação de informação e na
disponibilização de meios de acesso mais generalizado a essa
informação tem tanto mais sentido quanto os consumidores façam deles
uso, em seu benefício direto e em defesa dos interesses dos demais
consumidores.

A investigação do regulador

O regulador já divulgou que está a investigar o incumprimento do dever
de aplicação da tarifa social na sequência de uma inspeção realizada
em fevereiro às instalações da EDP Comercial e da Galp Power. Entre os
casos que estão a ser alvo de averiguação sancionatória estão o dever
de informação e a não atribuição indevida da tarifa social. A coima
máxima para estes comportamentos pode chegar a 10% da faturação anual
da empresa sancionada.

A tarifa social destina-se às famílias economicamente mais vulneráveis
e permite um desconto até mais de quatro euros por mês para uma fatura
média mensal até uma potência de 6,9 kVA. Esta diferença é financiada
pelas empresas de energia, em particular pela EDP que é o maior
comercializador. O governo quer alargar o desconto a 500 mil famílias
a partir deste ano, já que até ao final do ano passado, esta tarifa
chegava apenas a 10% dos clientes que segundo a estimativa deveriam
ter acesso.

A ERSE, cujos poderes de sanção foram reforçados por ordem da troika
em 2013,  já abriu 26 processos de contra-ordenação e enviou sete
infrações para o Ministério Público. As condenações até agora ainda
são pouco significativas em valor.

Sem comentários:

Enviar um comentário