segunda-feira, 29 de junho de 2015

Despedido por discordar de uso de carro de serviço

Através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 
proferido no processo nº 373/10.7TTPRT.P1.S1, de 26 de maio de 2015, 
o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que:
na falta de prova em contrário, se presume abusivo o despedimento que seja decretado menos de um ano depois do trabalhador ter reclamado junto da sua entidade patronal por estar a ser vítima de discriminação em relação às condições de atribuição da viatura de serviço.

O caso 

  • Um trabalhador a residir no Porto foi contratado para desempenhar funções de delegado de informação médica na zona de Coimbra
  • Para tal assumiu o compromisso de passar a residir nessa cidade. 
  • Foi outorgado em 18 de Maio de 2004 um contrato de trabalho a termo certo, convertido em tempo indeterminado em 01.07.2005
  • Durante o período experimental o trabalhador informou a empresa de que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto
  • Desta forma ficou acordado que pagaria as despesas de deslocação pessoais entre as duas cidades, assumindo a empresa todos os restantes custos com a viatura. 
  • Em Julho de 2008, o Director-Geral da Ré passou a pressioná-lo para assinar um acordo escrito no sentido de responsabilizar o A. pelo pagamento de € 215,34 mensais, com a justificação de que a viatura tinha quilómetros a mais e de que essa situação levara à revisão e aumento da renda do contrato de locação. 
  • Tendo o trabalhador recusado assinar esse acordo, a empresa atribuiu-lhe um veículo de gama inferior à inicialmente prometida
  • Desta forma compensaria o excesso de despesas suportado e acrescentaram outras medidas retaliatórias:
    • Impediu que o trabalhador levasse a viatura para férias ao contrário de anos anteriores
    • Decidiu também retirar-lhe a isenção de horário de trabalho, o que justificou com a redução da actividade desempenhada pelo trabalhador, depois deste ter reclamado pelo pagamento de trabalho suplementar. 
    • A viatura atribuida tambem não estava de acordo com o prometido: sem fecho centralizado ou vidros eléctricos
  • O trabalhador acabou despedido com fundamento:
    • na violação de acordos relativos à fixação da residência em Coimbra e 
    • de ter causado um prejuízo à empresa por não ter reembolsado o acréscimo de despesas com a viatura. 
  • Inconformado, o trabalhador recorreu para tribunal:
    • pedindo para que o seu despedimento fosse declarado ilícito e
    • exigindo o pagamento das retribuições em falta, 
    • do trabalho suplementar que prestara, 
    • da isenção de horário de trabalho que lhe fora retirada e
    •  uma indemnização pelos danos sofridos. 
  • O tribunal declarou o despedimento ilícito e abusivo, condenando a empresa a pagar ao trabalhador:
    • uma indemnização fixada em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida por cada ano completo ou fração de antiguidade, 
    • as retribuições em falta, 
    • o trabalho suplementar e 
    • uma indemnização por danos não patrimoniais. 
  • Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto (TRP) que condenou a empresa a pagar ao trabalhador:
    • também o subsídio de alimentação que este deixara de auferir desde o seu despedimento, 
    • reduzindo o valor do trabalho suplementar a pagar e
    • fixando o trânsito em julgado da decisão como data de início para o cálculo dos juros devidos. 
  • Discordando do teor do acórdão do TRP, o trabalhador recorreu para o STJ, o mesmo fazendo a empresa.

Sumário :
I - Considerando a lei como retribuição (art. 258.º do Cód. Trabalho) a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho – nela se compreendendo, além da retribuição base, as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie – não cabem na dimensão normativa da previsão, mesmo na perspectiva de prestações indirectas, as contribuições feitas pelo empregador a um fundo de pensões (que, além de não serem feitas ao trabalhador, sempre teriam de assumir feição de contrapartida da prestação do trabalho).

II - Não assume natureza retributiva o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, excluída estando, em função desses factores, a antecipada garantia do direito ao seu pagamento.

III - Resultando provado que a utilização da viatura de serviço, em termos de uso total, constituía mera tolerância ou liberalidade do empregador, não pode concluir-se pela sua natureza retributiva.

IV - Estabelecido pelo empregador um limite mensal para a utilização do telemóvel e da internet – limite esse estipulado para cobrir, em regra, as necessidades atinentes ao exercício da sua actividade profissional, suportando o trabalhador o respectivo pagamento se excedido o plafond pré-determinado – não pode concluir-se pelo carácter retributivo dessas prestações.

V - O subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que o mesmo excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título.

VI - A ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.

VII - Resultando provado que as reclamações do autor, nas quais invocava os seus direitos e se dizia vítima de discriminação, tiveram o seu epílogo em 29/07/2009 e que, no dia 2 de Setembro desse mesmo ano, foi instaurado contra o autor um procedimento disciplinar, visando o despedimento, que se consumou, mostra-se verificado o elemento objectivo do conceito de sanção abusiva, o qual permite presumir, por força da lei – face à inexistência de factos que conduzam à sua ilisão – o elemento subjectivo ou a intenção retaliadora da Ré.

VIII - A indemnização em substituição da reintegração há-de ser graduada em função do valor da retribuição e do grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho, sendo que os dois referidos vectores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização).

IX - O critério referido em VIII não se altera nas circunstâncias em que o despedimento/sanção seja considerado abusivo: apenas a moldura da graduação da indemnização é agravada (art. 331º, nº 4, do Código do Trabalho), ou seja, os limites previstos de 15-45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade/fracção passam a ser de 30-60 dias, não podendo a indemnização ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades (art. 392º, n.º 3ex vi do art. 331º, nºs 3 e 4 do Código do Trabalho).

X - Atendendo ao valor da retribuição do autor – € 1.928,15, mensais – e ao grau de ilicitude do despedimento, o qual se situa no segundo patamar do escalão previsto no art. 381º do Código do Trabalho, é adequado, proporcional e justo, fixar o montante da indemnização de antiguidade em 45 dias de retribuição base e diuturnidades.

XI - Dispondo o empregador de todos os elementos necessários à liquidação das retribuições intercalares (ou de tramitação), são devidos juros de mora desde o vencimento das componentes retributivas que integram a respectiva compensação.

XII - Os danos não patrimoniais só são indemnizáveis se, por um lado, se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º do Código Civil e se, por outro lado, esses danos assumirem gravidade bastante, de modo a merecerem a tutela do Direito.


XII – Decorrendo, da prova produzida, o estabelecimento da necessária relação de causa-efeito entre a actuação terminal da ré, com o cominado despedimento, e a situação de nervosismo/preocupação/reacção depressiva de que o autor ficou a padecer (…foi por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma…que o A. se encontra afectado de…, necessitando de acompanhamento médico e psicológico), é equitativa a indemnização, a título de danos não patrimoniais, fixada em € 10.000,00.

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