Através do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça,
proferido no processo nº 373/10.7TTPRT.P1.S1, de
26 de maio de 2015,
o Supremo Tribunal de Justiça
(STJ) decidiu que:
na falta de prova em contrário, se
presume abusivo o despedimento que seja decretado
menos de um ano depois do trabalhador ter
reclamado junto da sua entidade patronal por estar a
ser vítima de discriminação em relação às condições
de atribuição da viatura de serviço.
O caso
- Um trabalhador a residir no Porto foi contratado para desempenhar funções de delegado de informação médica na zona de Coimbra
- Para tal assumiu o compromisso de passar a residir nessa cidade.
- Foi outorgado em 18 de Maio de 2004 um contrato de trabalho a termo certo, convertido em tempo indeterminado em 01.07.2005
- Durante o período experimental o trabalhador informou a empresa de que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto
- Desta forma ficou acordado que pagaria as despesas de deslocação pessoais entre as duas cidades, assumindo a empresa todos os restantes custos com a viatura.
- Em Julho de 2008, o Director-Geral da Ré passou a pressioná-lo para assinar um acordo escrito no sentido de responsabilizar o A. pelo pagamento de € 215,34 mensais, com a justificação de que a viatura tinha quilómetros a mais e de que essa situação levara à revisão e aumento da renda do contrato de locação.
- Tendo o trabalhador recusado assinar esse acordo, a empresa atribuiu-lhe um veículo de gama inferior à inicialmente prometida
- Desta forma compensaria o excesso de despesas suportado e acrescentaram outras medidas retaliatórias:
- Impediu que o trabalhador levasse a viatura para férias ao contrário de anos anteriores
- Decidiu também retirar-lhe a isenção de horário de trabalho, o que justificou com a redução da actividade desempenhada pelo trabalhador, depois deste ter reclamado pelo pagamento de trabalho suplementar.
- A viatura atribuida tambem não estava de acordo com o prometido: sem fecho centralizado ou vidros eléctricos
- O trabalhador acabou despedido com fundamento:
- na violação de acordos relativos à fixação da residência em Coimbra e
- de ter causado um prejuízo à empresa por não ter reembolsado o acréscimo de despesas com a viatura.
- Inconformado, o trabalhador recorreu para tribunal:
- pedindo para que o seu despedimento fosse declarado ilícito e
- exigindo o pagamento das retribuições em falta,
- do trabalho suplementar que prestara,
- da isenção de horário de trabalho que lhe fora retirada e
- uma indemnização pelos danos sofridos.
- O tribunal declarou o despedimento ilícito e abusivo, condenando a empresa a pagar ao trabalhador:
- uma indemnização fixada em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida por cada ano completo ou fração de antiguidade,
- as retribuições em falta,
- o trabalho suplementar e
- uma indemnização por danos não patrimoniais.
- Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto (TRP) que condenou a empresa a pagar ao trabalhador:
- também o subsídio de alimentação que este deixara de auferir desde o seu despedimento,
- reduzindo o valor do trabalho suplementar a pagar e
- fixando o trânsito em julgado da decisão como data de início para o cálculo dos juros devidos.
- Discordando do teor do acórdão do TRP, o trabalhador recorreu para o STJ, o mesmo fazendo a empresa.
Sumário :
I - Considerando a lei como retribuição (art. 258.º do Cód. Trabalho) a prestação a que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho – nela se compreendendo, além da retribuição base, as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie – não cabem na dimensão normativa da previsão, mesmo na perspectiva de prestações indirectas, as contribuições feitas pelo empregador a um fundo de pensões (que, além de não serem feitas ao trabalhador, sempre teriam de assumir feição de contrapartida da prestação do trabalho).
II - Não assume natureza retributiva o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, excluída estando, em função desses factores, a antecipada garantia do direito ao seu pagamento.
III - Resultando provado que a utilização da viatura de serviço, em termos de uso total, constituía mera tolerância ou liberalidade do empregador, não pode concluir-se pela sua natureza retributiva.
IV - Estabelecido pelo empregador um limite mensal para a utilização do telemóvel e da internet – limite esse estipulado para cobrir, em regra, as necessidades atinentes ao exercício da sua actividade profissional, suportando o trabalhador o respectivo pagamento se excedido o plafond pré-determinado – não pode concluir-se pelo carácter retributivo dessas prestações.
V - O subsídio de alimentação, embora assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, sendo mister para o efeito, por isso, a alegação e prova, por banda do trabalhador, de que o mesmo excedia os valores que normalmente eram pagos a esse título.
VI - A ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.
VII - Resultando provado que as reclamações do autor, nas quais invocava os seus direitos e se dizia vítima de discriminação, tiveram o seu epílogo em 29/07/2009 e que, no dia 2 de Setembro desse mesmo ano, foi instaurado contra o autor um procedimento disciplinar, visando o despedimento, que se consumou, mostra-se verificado o elemento objectivo do conceito de sanção abusiva, o qual permite presumir, por força da lei – face à inexistência de factos que conduzam à sua ilisão – o elemento subjectivo ou a intenção retaliadora da Ré.
VIII - A indemnização em substituição da reintegração há-de ser graduada em função do valor da retribuição e do grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381.º do Código do Trabalho, sendo que os dois referidos vectores de aferição têm uma escala valorativa de sentido oposto: enquanto o factor retribuição é de variação inversa (quanto menor for o valor da retribuição, mais elevada deve ser a indemnização), a ilicitude é factor de variação directa (quanto mais elevado for o seu grau, maior deve ser a indemnização).
IX - O critério referido em VIII não se altera nas circunstâncias em que o despedimento/sanção seja considerado abusivo: apenas a moldura da graduação da indemnização é agravada (art. 331º, nº 4, do Código do Trabalho), ou seja, os limites previstos de 15-45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade/fracção passam a ser de 30-60 dias, não podendo a indemnização ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades (art. 392º, n.º 3ex vi do art. 331º, nºs 3 e 4 do Código do Trabalho).
X - Atendendo ao valor da retribuição do autor – € 1.928,15, mensais – e ao grau de ilicitude do despedimento, o qual se situa no segundo patamar do escalão previsto no art. 381º do Código do Trabalho, é adequado, proporcional e justo, fixar o montante da indemnização de antiguidade em 45 dias de retribuição base e diuturnidades.
XI - Dispondo o empregador de todos os elementos necessários à liquidação das retribuições intercalares (ou de tramitação), são devidos juros de mora desde o vencimento das componentes retributivas que integram a respectiva compensação.
XII - Os danos não patrimoniais só são indemnizáveis se, por um lado, se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º do Código Civil e se, por outro lado, esses danos assumirem gravidade bastante, de modo a merecerem a tutela do Direito.
XII – Decorrendo, da prova produzida, o estabelecimento da necessária relação de causa-efeito entre a actuação terminal da ré, com o cominado despedimento, e a situação de nervosismo/preocupação/reacção depressiva de que o autor ficou a padecer (…foi por ver o projecto da vida profissional em que acreditava ruir desta forma…que o A. se encontra afectado de…, necessitando de acompanhamento médico e psicológico), é equitativa a indemnização, a título de danos não patrimoniais, fixada em € 10.000,00.
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